quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

No caso de S. Miguel, tenho a impressão, mas volto a dizer que de leigo, que uma origem importante do povoamento é o Alto Tejo, nos extremos sul da região de Castelo Branco e norte da região portalegrense. Quando vou a Nisa ou Castelo de Vide, ouço muito do sotaque micaelense, com o "u" gutural característico e a generalizada monovocalização dos ditongos, vejo parecenças na arquitectura (por exemplo, o notável edifício da câmara de Castelo de Vide é quase uma réplica das câmaras de Ponta Delgada, Ribeira Grande e Lagoa, em S. Miguel) e parece-me, sem ser especialista, que há semelhanças na música popular. Há também relações muito evidentes na frequência de alguns nomes de família, menos vulgares noutras regiões do continente. Comparem-se as listas telefónicas de Portalegre e Castelo Branco com a de S. Miguel (uma coisa que fiz numa tarde de descanso em Castelo de Vide, entre duas partidas de golfe, mas que sugiro que seja feito com rigor científico). Mas posso estar a ver as coisas às avessas, porque o fluxo populacional pode ter sido em sentido inverso. De facto, muito mais tarde, no tempo de Pina Manique, sabe-se que muitos casais açorianos participaram na colonização do Alentejo interior, assim como, umas dezenas de anos antes, Pombal tinha promovido uma importante colonização açoriana do Brasil, especialmente de S. Catarina, onde ainda hoje se notam muitas influências açorianas.Por isto, esta minha ideia geral das relações micaelenses com o Alto Alentejo é quase certamente uma simplificação. Por exemplo, num domínio que sempre me interessou e que é o da arquitectura popular, reconheço que há alguma diversidade de influências em S. Miguel. Na costa sul, as casas baixas, caiadas e com molduras das portas e janelas em cantaria ou pintadas com cores vivas, viradas para os caminhos e com telhado de duas abas, são meridionais. Mas a disposição interna e as chaminés largas são mais alentejanas que algarvias. Mas também é vulgar encontrarem-se os telhados de quatro abas, frequentes mais para norte e mais no Algarve que no Alentejo. E já em algumas freguesias da zona ocidental da ilha aparecem as casas de dois pisos, de pedra não revestida, perpendiculares ao caminho e com o piso térreo reservado aos animais e às alfaias, que me parecem de influência nortenha, salvo melhor opinião e mais abalizada. Também Avelino Meneses, no trabalho que referi, considera haver no povoamento de S. Miguel uma forte influência meridional portuguesa, que localiza mais difusamente entre o sul da Beira interior, o Alentejo e o Algarve, mas dá maior relevo à influência de Entre-Douro-e-Minho, numa segunda época do povoamento.Talvez seja mais simples considerar os Açores como uma grande mescla histórica e antropológica, a que o tempo, o isolamento e o contacto entre ilhas próximas deram uma coesão e unidade na diversidade bem características.

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