quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Ilha do Corvo, Açores

A cozinha das ilhas açorianas e o povoamento

INQUIETUDE PERMANENTE. Texto sobre os Açores. Disponível em: http://jvcosta.planetaclix.pt/cozinha.html>. Acesso em: 15 jan. 2008.

(Introdução ao capítulo de cozinha das ilhas açorianas do livro "O gosto de bem comer")


Não conheço nenhum estudo rigoroso sobre as origens da culinária das ilhas açorianas. Ao tentar caracterizá-la, assumo o risco de alguma especulação. É razoável pensar que ela deriva das tradições locais portuguesas trazidas pelos primeiros povoadores, mas depois condicionada pelos produtos locais e por alguns factores históricos, como, eventualmente, o comércio das especiarias. Sendo leigo em História, quero evitar que muitas das ideias tiradas das minhas leituras sejam infundadas. Socorro-me para isto da leitura ávida de um trabalho inédito de um reputado historiador terceirense da nova geração, o Prof. Avelino Meneses, da Universidade dos Açores, que amavelmente me facultou.
Vila Franca do Campo, Açores

Sabe-se mais da origem social dos povoadores do sec. XV que da geográfica, que mais nos interessa para estabelecer relações entre a cozinha açoriana e outras cozinhas regionais portuguesas. O povoamento, que foi difícil, passando por viagens antecedentes só para lançamento de gado, criação e sementes, fez-se inicialmente em pequenos povoados, com pesado trabalho de arroteia das terras. Talvez não passasse das centenas ou muito poucos milhares a população dos primeiros povoados, mas expandiu-se rapidamente. S. Miguel, ao fim de algumas dezenas de anos, já contava com duas povoações importantes, Vila Franca do Campo e Ponta Delgada, para além da inicial do povoamento, a então chamada Povoação Velha. Na Terceira, já com o séc. XV adiantado, Angra e Praia eram núcleos importantes de povoamento, a justificarem ser cada uma sede de uma capitania do donatário. A propósito: é vulgar falar-se nos capitães-donatários. Isso nunca existiu; havia era donatários, a quem o rei atribuíra direitos senhoriais, que, por sua vez, os delegavam até certo ponto em senhores a quem eram atribuídas terras para povoamento, as capitanias. Não havia, portanto capitães-donatários, mas sim capitães do donatário. Mesmo estes só duraram até ao tempo em que D. Manuel, herdeiro da donataria do seu pai e do seu irmão, duque de Viseu, executado por D. João II, chamou à coroa a donataria dos Açores, passando os capitães a dependerem directamente do rei.Alguns grupos de flamengos, provavelmente por influência da infanta D. Isabel, duquesa da Borgonha, participaram no povoamento das ilhas centrais. Algumas lendas locais sobrevalorizam a importância desses povoadores flamengos e dos seus costumes. Talvez tenham deixado algumas influências, como no caso do queijo de S. Jorge, quando Vanderhagen, que adoptou o nome português de Guilherme da Silveira, colonizou a zona do Topo. De qualquer forma, a pecuária e os lacticínios jorgenses deve-se muito mais, certamente, ao clima, à orografia particular da ilha e à riqueza dos pastos, de tal forma que, desde muito cedo, S. Jorge foi um abastecedor de carne de outras ilhas. De qualquer forma, os flamengos tiveram menor importância do que os povoadores reinóis, e particularmente no povoamento mais antigo das duas ilhas orientais, S. Maria e S. Miguel.
Infante D. Henrique

O povoamento com base nas capitanias do donatário, com a origem diversificada dos capitães, provavelmente complica a elucidação das origens do povoamento. Os líderes do povoamento, a começar pelos capitães do donatário, eram provavelmente cavaleiros e escudeiros, em todo o caso não de alta nobreza, "criados" (no sentido histórico, não no actual) das casas dos donatários, primeiro o infante D. Henrique e depois o seu sobrinho e herdeiro, o infante D. Fernando, filho de D. Afonso V. Tendo-me referido aos flamengos como possível excepção, até mesmo Jácome de Bruges, o primeiro povoador da Terceira, parece ter estado ligado à casa do infante D. Henrique. Mas nada garante que esses membros das casas dos donatários tivessem origens geográficas comuns.Não é desrazoável pensar-se que esses capitães tenham chamado ao povoamento principalmente os seus próximos e dependentes, domésticos e do campo. Se assim foi, as origens geográficas dos povoadores devem ser diversificadam, em função da origem dos líderes do povoamento. Infelizmente, enquanto que se conhece muito bem a genealogia posterior das principais famílias povoadoras, como exaustivamente descrita, "a fresco", ainda no séc. XVI, na enorme obra de Gaspar Frutuoso, "Saudades da Terra", já a genealogia pretérita desses mesmos povoadores é muito incerta e não é geralmente referida por Frutuoso ou outros cronistas posteriores, como Frei Diogo das Chagas, o Padre Manuel Luís Maldonado ou Frei Agostinho de Montalverne.Por outro lado, é de admitir, com boa base histórica, que, com o sucesso do povoamento e com a notícia da riqueza das terras, levas sucessivas de povoadores, isolados ou em grupo, tenham procurado a aventura dos Açores, vindos de origens incertas. De entre as conhecidas, sobressai a de povoadores madeirenses. Essa população difusa foi acrescentada com um número significativo de degredados, obviamente oriundos de todo o pais, embora esses degredados só tenham sido enviados para S. Miguel e apenas durante o tempo da regência do infante D. Pedro.
Influência africana em Açores